O exercício aeróbico é comumente prescrito para melhorar o bem estar e o condicionamento físico de indivíduos saudáveis e pacientes cardíacos, ortopédicos e outros. Por não depender de muitos equipamentos e ser facilmente prescrito, a caminhada é um dos tipos de exercício aeróbico mais prescritos [1].

O ato de se deslocar por longas distâncias em busca de alimento é inerentemente uma necessidade biológica de mamíferos, e os humanos não são exceção. Em uma perspectiva evolutiva, existem evidências que por pelo menos 2 milhões de anos, o gênero homo caminhou e correu pelas grandes planícies africanas de 15 a 20 km por dia, em busca de água e comida. Dessa forma, o sistema aeróbio humano foi “forjado” durante a exposição intensa a atividades de longas distâncias necessárias para a sobrevivência de nossos ancestrais, tanto é que de todos os animais do planeta, o ser humano é o melhor corredor de endurance [2].

O exercício aeróbico pode ativar o sistema de modulação de dor do Sistema Nervoso Central (SNC), gerando a hipoalgesia induzida por exercício, através do aumento no nível de vários neurotransmissores como serotonina, acetilcolina, norepinefrina e a dopamina. No SNC, o sinal da dor pode ser estimulado, inibido ou mantido no nível do tronco cerebral. Quando facilitação nociceptiva persistente excede a capacidade inibitória, podem ocorrer mudanças neuroplásticas perifericamente (sensibilização periférica) ou a nível central (sensibilização central) [3].

Uma revisão sistemática com metanálise de 2014 [4] demonstra que evidências de boa qualidade metodológica sugerem a associação da caminhada com melhorias significativas em pacientes com dor lombar crônica, fibromialgia e a osteoartrose, quando comparados com outras intervenções ou a não realização de exercício, mas sua eficácia a longo prazo é incerta.

“A caminhada pode ser recomendada como uma forma eficaz de exercício ou atividade para indivíduos com dor musculoesquelética crônica, mas deve ser complementada com estratégias destinadas a manter a participação”.

Olhando especificamente a dor lombar crônica, exercícios aeróbicos são comumente utilizados e têm mostrado uma redução na percepção de dor dos pacientes [5]. Duas revisões sistemáticas analisaram a influência da caminhada na dor lombar. A primeira, de 2010, avaliou a efetividade da caminhada, e concluiu que existem evidências fracas a moderadas que a caminhada é uma estratégia de intervenção efetiva para pacientes com dor lombar, requerendo mais investigações. A mesma cita que o design dos artigos são muito diferentes, impossibilitando melhores comparações [6]. A segunda, de 2015, avaliou o efeito da caminhada na incapacidade, função, e qualidade de vida em adultos com dor lombar, chegando a conclusões semelhantes de que existem evidências fracas que a caminhada seja tão efetiva quanto qualquer outro tratamento na redução da dor lombar [7].

Sabe-se que um dos mecanismos de seleção natural é reaproveitar sistemas em diversas funções diferentes, ao invés de começar um novo sistema fisiológico do nada [2]. Dessa forma, por um prisma evolutivo, faria muito sentido o reaproveitamento do sistema aeróbio para além da manutenção das funções fisiológicas básicas. Nossa hipótese, pautada no raciocínio evolutivo e nas evidências científicas, é que o sistema aeróbio foi selecionado pela evolução, entre outras capacidades, também como um mecanismo protetor no sistema nervoso central, evitando a sensibilização extrema em casos eventuais de dor. Atuando assim nas situações que o ser humano mais precisasse manter seu organismo protegido contra a dor: o forrageamento, ou seja, caminhar ou correr longas distâncias em busca de alimento. Esse mecanismo seria extremamente importante para os nossos ancestrais, já que o ato de forragear, era uma atividade primordial, e aquele que não o fizesse corria o risco de morrer de inanição ou ser abandonado pelo grupo.

Nossa opinião é que apesar das três revisões mostrarem evidências de que a caminhada auxilia na dor lombar, duas ainda apresentam resultados fracos a moderados devido às formas de prescrição para pacientes com dor lombar terem talvez pouca plausibilidade biológica pelo ponto de vista da evolução biológica. A guideline do The American College of Sports Medicine (ACSM) para pacientes sem dor, recomenda 30 minutos de atividade aeróbica de baixa intensidade de 3-5 vezes na semana para manter um estilo de vida saudável [8], o que não condiz nada com a atividade de intensidades alternadas, e grandes volumes de nossos ancestrais [2]. Se as guidelines para pessoas saudáveis não baseiam-se nos potenciais biológicos evolutivos de nossos ancestrais, torna-se ainda mais difícil prescrever exercícios para pacientes com dor lombar.

Dessa forma, as guidelines de dor lombar acabam carecendo de uma prescrição ótima dos exercícios terapêuticos em relação a frequência, duração e intensidade [9]. Para utilizarmos todo o potencial dos exercícios aeróbicos, principalmente da caminhada, na dessensibilização do SNC em pacientes com dor lombar, e quiçá outros pacientes com dor crônica, seria interessante elaborar estratégias de tratamento biologicamente mais plausíveis, com prescrições de exercícios que aproximasse as variáveis fisiológicas do paciente com as de nossos ancestrais caçadores-coletores, para assim, recobrar a “especificidade evolucionária” do organismo do humano contemporâneo.

 

REFERÊNCIAS

[1] Morris JN, Hardman AE. Walking to health. Sports Med 23(5):306–332, 1997.

[2] Lieberman DE. A história do corpo humano: evolução, saúde e doença. Editora Zahar, 2015.

[3] Cunha CO et al. Exercício aeróbico ajuda no tratamento da dor crônica? Rev Dor. São Paulo, 2016 jan-mar;17(1):61-4

[4] O’Connor SR, Tully MA, Ryan B, Bleakley CM, Baxter GD, Bradley JM, McDonough SM, Walking Exercise for Chronic Musculoskeletal Pain: Systematic Review and Meta-Analysis, ARCHIVES OF PHYSICAL MEDICINE AND REHABILITATION (2015).

[5] Hoffman MD, Shepanski MA, Mackenzie SP, Clifford PS. Experimentally induced pain perception is acutely reduced by aerobic exercise in people with chronic low back pain. J Rehabil Res Dev. 2005;42(2):183-90.

[6] Hendrick P et al. The effectiveness of walking as an intervention for low back pain: a systematic review. Eur Spine J (2010) 19:1613–1620.

[7] Lawford BJ, Walters J, Ferrar K. Does walking improve disability status, function, or quality of life in adults with chronic low back pain? A systematic review. Clin Rehabil. 2016 Jun;30(6):523-36.

[8] American College of Sports Medicine (1998) Position stand. The recommended quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory and muscular fitness, and flexibility in healthy adults. Med Sci Sports Exerc 30(6):975–991

[9] Airaksinen O, Brox JI, Cedraschi C, et al. Chapter 4 European guidelines for the management of chronic non specific low back pain. European Spine Journal. 2006; 15 S192–S300.

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