Você deve ter visto que o ano de 2018 começou bem para as Ciências do Movimento. Um estudo transversal dá uma força para desmistificar uma lenda: o temido “text neck”.
Essa pesquisa feita por fisioterapeutas brasileiros, investigou a associação entre cervicalgia e o pescoço de texto em adultos jovens. Conforme especulava-se previamente, o estudo NÃO encontrou maior prevalência nem frequência de DOR no pescoço em pessoas que possuem anteriorização de cabeça. Estudos longitudinais ainda precisam ser feitos para que se possa inferir ou não causalidade, contudo essa falta de associação transversal já pode nos dar uma ideia epidemiológica sobre o assunto.
Vale reforçar que não existe nenhum bom estudo científico que nos mostre que MÁ POSTURA (seja lá o que isso for) provoque DOR* [para saber mais, dê uma olhada na nota no fim do post].
Deste modo, é bem plausível pensar que a postura, realmente, não seja o maior problema do celular. No entanto, nem tudo são flores no que se diz respeito ao uso de tela… O uso crônico do celular pode ter um impacto importante no comportamento humano e nas relações sociais, e talvez questões psicossociais sejam de fato merecedoras de maior atenção. Em geral o problema não está no hardware, no aparelho em si, mas na maioria dos softwares (hoje mais conhecidos como aplicativos). Não é segredo que as empresas que produzem esses aplicativos procuram manter o usuário utilizando o máximo de tempo estimulando a liberação de dopamina por meio de pequenas recompensas: uma curtida, um comentário, uma fofoca etc. Essas pequenas de satisfações agudas ficam bem claras especialmente quando se analisa o efeito das redes sociais nas pessoas.
Nosso mundo de fato mudou e pelo visto teremos que nos adaptar a esta nova configuração social e psicológica. Entretanto, conhecer os efeitos biopsicossociais das ferramentas que usamos no dia-a-dia, deve ser o primeiro passo para que possamos construir uma vida e uma sociedade saudáveis.
Quem se interessar sobre esse tema, o vídeo abaixo explora as possíveis implicações na saúde humana decorrentes do uso crônico de celular, que vão obviamente muito além das biomecânicas.
* Sim, eu sei que um montão de gente fala que problemas posturais causam dor (eu mesmo já tive esse tipo de discurso no passado), mas estudos de boa qualidade não mostram associação entre dor e alterações posturais. Saiba mais nesse texto. Esse tipo de afirmação deriva de um raciocínio exclusivamente estrutural, no qual se dá maior importância para esta perspectiva ao se observar o corpo humano e seus problemas. Todavia, seres vivos reagem de modo muito mais complexo, caótico e não-linear às situações do que simplesmente mecânico. Em contrapartida acredito ser importante fazer uma ressalva. Uma abordagem mais complexa dos problemas musculoesqueléticos NÃO implica em desvalorizar totalmente a biomecânica, significa apenas que não dá mais para atribuir totalmente a estes aspectos a culpa pelas dores musculoesqueléticas. É possível que com o tempo os fatores biomecânicos recuperarem seu espaço no entendimento das dores, porém com um papel muito mais restrito.