Restrição das atividades de vida prática em pessoas com dor
Quem não tem um parente ou um amigo que após um episódio de dor lombar aguda resolveu fazer uma consulta no médico ou no fisioterapeuta e recebeu a seguinte orientação: “repouso absoluto, tire uns dias de folga do trabalho, também evite qualquer atividade que possa desencadear dor”.
Apesar dessas orientações serem muito comuns, cientificamente estão ultrapassadas. De acordo com evidências científicas dos últimos 20 anos (sim, 20 anos!), o repouso é indicado apenas em caso de dor extrema, no máximo por 5 dias, deve-se manter as atividades, evitar o isolamento e um dos princípios de tratamento consiste em aprender a usar o corpo de diversas formas, ao invés de evitar os movimentos.
Ah, mas informação para ajudar a prevenir recidivas nunca é demais, certo? Errado!!
O enorme problema que o excesso de informação pode gerar é o efeito nocebo. O efeito nocebo é o “irmão gêmeo malvado” do efeito placebo, que é uma expectativa positiva (acreditar em algo que o faça melhorar) em relação a uma ou mais características do seu tratamento. O efeito nocebo, ao contrário do efeito placebo, é o ato do paciente gerar uma expectativa negativa (acreditar em algo que o faça piorar) em relação a uma ou mais características do seu tratamento.
No caso da dor lombar, o nocebo gerado pelo excesso de informações erradas disseminadas pelos profissionais da saúde pode ajudar a tornar crônica um processo de dor aguda. Além disso, pode levar a incapacidade, por causa da modificação da percepção do pessoa em relação às consequências da dor. Isso significa que é possível que pessoas com dor submetidas a este processo podem começar a ter comportamento nocivos, como prestar atenção excessiva na dor, evitar certos movimentos ou isolar-se, atitudes cientificamente ligadas a piora da dor lombar.
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Essas evidências fazem todo sentido biológico, afinal, no estilo de vida caçador-coletor (o modo de vida para o qual nós evoluímos) não existe a possibilidade de repouso prolongado. Devido a escassez de alimento, as tribos eram nômades em busca constante de novas fontes de água e comida. Afastar-se de suas atividades diárias poderia significar a morte por inanição ou o abandono do grupo.
Felizmente, o cenário vem mudando, e diversos profissionais de saúde vem incorporando essa nova forma de pensar ao tratamento da dor lombar. É o chamado modelo biopsicossocial, um modo de abordar as condições de saúde pautado em alternativas biologicamente mais plausíveis (e por isso é bastante compatível com o raciocínio evolutivo) para explicar porque as pessoas têm dor ou disfunções do movimento.
Atire a primeira pedra o profissional de saúde que nunca teve uma atitude nocebenta… No entanto, a partir do momento que se toma consciência sobre estes efeitos, adquire-se automaticamente o compromisso ético de diminuir ao máximo esses malefícios durante os seus próximos atendimentos. Uma outra atitude importante é auxiliar na desconstrução de décadas de crenças dos profissionais inadequadas sobre a dor lombar que agora estão arraigadas na população. Para tal faz-se necessário um trabalho maciço de educação e de promoção deste conhecimento, tanto para profissionais quanto para o público leigo. Você pode começar agora a ajudar neste processo: desconstrua alguma crença que pode gerar nocebo em alguém ou então compartilhe este texto nas suas redes sociais.
REFERÊNCIAS
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