Será que alongar ajuda na prevenção de lesão nas práticas esportivas?
E o quê a Biologia Evolutiva pode nos falar sobre o hábito humano de fazer alongamento?
Imagine uma leoa na savana, com seus dentes enormes. Ela se esgueira por entre a relva alta à espreita de uma zebra, seus olhos focam no pescoço da presa há apenas alguns passos. A zebra percebe um micromovimento na relva, e então a leoa instintivamente percebe que é agora ou nunca. Então, de repente… estica as patas dianteiras a frente, conta 30 segundos, estica as patas traseiras atrás, conta mais 30 segundos, inclina a cabeça pro lado direito e esquerdo sucessivamente contando mais 30 segundos de cada lado. Enquanto isso a zebra, que percebe a figura da leoa, também faz o mesmo e alonga-se, preparando-se para o que virá a seguir… a perseguição!
Mas espera aí… algo soou estranho nessa história, não? O alongamento! Leões não precisam se alongar antes de suas atividades de alto desempenho, eles nasceram prontos.
E os humanos? Será que são assim tão diferentes dos outros mamíferos para necessitar de alongamento antes da atividade física de alto desempenho? Afinal ambos evoluíram no mesmo planeta, sob praticamente as mesmas condições e com um aparato estrutural similar: ossos, músculos, articulações, tendões, fáscia… então por que quando o alongamento é realizado por um ser humano é considerado algo natural?
Duas revisões sistemáticas publicadas em 2014, analisaram centenas de estudos em busca de respostas sobre a prevenção de lesões no esporte. Intervenções como palmilhas, suportes articulares externos e programas específicos mostraram-se efetivos em reduzir o risco de lesões esportivas. O treino de propriocepção e de força mostraram certa tendência em prevenir lesões. Mas as notícias não foram nada boas para o alongamento: ambas as revisões mostraram que não existe efeito para a prevenção de lesões.
Agora, voltando novamente a leoa, ainda pode existir uma dúvida: mas os animais se espreguiçam pela manhã, isso não é uma forma de se alongar? No ponto de vista biológico, manter a flexibilidade e a mobilidade parece ser um ato inerente a toda espécie, mas ocorre de forma automática de acordo com o estímulo do ambiente. O ato de se espreguiçar estaria mais relacionado a manter a elasticidade e a mobilidade dos tecidos, do que a aumentar o comprimento muscular, como é proposto por hipóteses mais tradicionais sobre o alongamento. É possível, inclusive, que as diversas posturas naturais de repouso adotadas pelos animais seriam suficientes para manter a flexibilidade para as atividades necessárias para a sobrevivência, mantendo o corpo naturalmente mobilizado e preparado para as atividades de movimento.
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P.s.: Alguém já viu algum animal fortalecendo o core? 😉
REFERÊNCIAS
Leppänen M, Aaltonen S, Parkkari J, Heinonen A, Kujala UM. Interventions to prevent sports related injuries: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Sports Med. 2014 Apr;44(4):473-86.
Lauersen JB, Bertelsen DM, Andersen LB. The effectiveness of exercise interventions to prevent sports injuries: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Br J Sports Med. 2014 Jun;48(11):871-7.
Tetley M. Instinctive sleeping and resting postures: an anthropological and zoological approach to treatment of low back and joint pain. BMJ. 2000; 321(7276):1616-1618. doi:10.1136/bmj.321.7276.1616.